eu dormi assistindo blade runner 2049 no cinema.

Muitas vezes me pego pensando que eu poderia começar a minerar todos os dados sobre mim mesma. Registrar tudo que se relaciona a mim e finalmente me compreender. Fazer diversas análises, encontrar todos os padrões. Tudo começa de uma maneira muito simples, você baixa um aplicativo para registrar os dados do seu ciclo menstrual, e ele já te pergunta tudo: hoje, o que você sentiu vontade de comer? Doces, carboidratos, chocolate? Você estava feliz ou triste? Cansada, exausta ou ativa? Quantas horas você dormiu? Qual foi sua temperatura basal? Seu colo do útero está alto ou baixo? Como está a textura do seu corrimento? Essas são todas perguntas relevantes para quem quer entender melhor o ciclo menstrual, especialmente para quem quer usar isso como método contraceptivo. O aplicativo te pergunta mas é lógico que você não é obrigado a responder nada. Eu mesma não respondo, só registro os dias em que menstruo. Mas fico refletindo.

Se eu respondesse todos os dias todas as perguntas que o aplicativo me faz, talvez eu conseguisse sempre saber quando estou para menstruar. Sei que há um padrão, porque eu sempre fico muito triste quando estou de TPM. Choro fácil, brigo fácil… Enfim, se sou capaz de saber disso apenas com a vivência, imagina o que eu não saberia com tantas informações depositadas no site? Eu poderia saber quando vou ovular ou entender melhor a relação entre comer doce e menstruação. E por que parar por aí, não é mesmo? Por que eu não começo um habit tracker com informações como a quantidade de água que bebi no dia, se me exercitei e quais exercícios eu fiz em quais dias? E por que não anoto naquele outro aplicativo qual é o meu humor do dia? Por que eu não anoto tudo que comi, todos os macros, quantas calorias? Por que eu não ando com uma pulseira que registra todos os meus passos, cada corrida, cada noite de sono mal dormida e até os momentos em que meu sono estava no estágio ideal para o descanso?

Quantos padrões eu não seria capaz de encontrar tendo todos esses dados registrados? Eu poderia descobrir se há uma relação entre carboidratos – exercícios – felicidade. Ou qualquer outra relação. Poderia me encaixar perfeitamente em diversas análises econométricas e tentar predizer o meu próprio futuro, encontrar a receita da felicidade, fazer a regressão linear capaz de me explicar quanto cada variável depende da outra. Seria possível então compreender intimamente minhas mudanças de humor e comportamento. Finalmente eu poderia me tornar um robô. Mas a realidade é que talvez todas essas relações sejam espúrias. Talvez o conjunto de fatores que não são capazes de serem medidos, como o comportamento do exterior, sejam mais relevantes para a equação da minha felicidade do que todos os dados que eu sou capaz de quantificar. E talvez, mesmo em posse de todos esses dados, eu não tenha um comportamento algoritimizado, que siga padrões claros e objetivos. Talvez eu não seja um androide.

Há algumas semanas, eu comecei a assistir um vídeo que falava sobre uma música de um especial de comédia da Netflix. Já não me recordo de muita coisa, mas achei alguns pontos do vídeo muito desconcertantes e outros pontos também não saem da minha cabeça. Um deles era o fato de que sempre imaginamos um futuro tecnológico, com robôs e com seres meio humanos meio robôs. Tá, talvez não sempre, mas é uma visão que já vimos em diversas representações de um futuro hipotético. E então o cara falava que já estamos no futuro e somos androides. Não conseguimos mais viver sem o celular, que agora é apenas uma extensão de nossos braços e mentes. A existência sem essa forma de comunicação simples e fácil é impensável. Talvez essas frases não sejam o suficiente para te convencer desse fato, mas estamos agora mesmo interagindo de maneira virtual, se não por meio do celular então por meio de um computador ou tablet mas inegavelmente utilizando a internet. Você conseguiria viver sem internet? E não digo como se fôssemos todos morrer na ausência de internet, afinal, já provamos por milênios que não precisamos dela. Exceto que agora precisamos. Enfim, talvez eu seja sim um androide.

O que, afinal, define um androide?

Talvez eu devesse ler formas de mídia que pensaram sobre isso antes de mim.

Eu dormi assistindo Blade Runner 2049 então não sei se essa vai servir. Falando em Blade Runner, li o livro em cerca de 12 horas para ver o que eu poderia acrescentar a essa postagem apenas para descobrir que eu não tenho a menor ideia do que estou falando. Aliás, falando em registrar todos os meus passos, ao terminar de ler, qual não foi meu primeiro passo? Sim, registrar que li o livro no site em que registramos esse tipo de coisa. Qual é a relevância de registrar quais livros a gente leu ou deixou de ler? Não entendo para que serve direito. Comparar com os colegas? Ler e escrever resenhas? Talvez seja assim para vocês, mas não para mim que vejo aquilo apenas como um lembrete de que eu já li coisas e quais coisas já li. Mas qual é o sentido, se eu tenho meu próprio cérebro? Ele não é confiável?

Será que ainda estamos distantes de um futuro em que androides são criados a partir de algoritmos da nossa vida? Será que devo assistir Ex-Machina e sei lá, Eu, robô?

No final das contas o livro Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas? me trouxe ainda mais dúvidas do que certezas. Recomendo o livro horrores pois todas as questões existenciais dele são muito interessantes. A gente acaba pensando sobre xenofobia, classe, religião. Particularmente adoro pensar em religião e gostei horrores dessa interpretação do final do livro de que não importa se Deus é apenas uma invenção para enganar a todos nós. A experiência de comunhão que aqueles que tem fé sentem um com os outros torna a religião válida para aqueles que nela acreditam. É interessante pensar assim. E ali no final tem alguma coisa com o mito de Sísifo que eu ainda não consegui refletir sobre mas que eu amo… Mas divago. A conversa da androide cantora de ópera com nosso protagonista caçador de androides suscita diversas discussões mentais sobre o que torna um humano, humano. É a empatia para com os seres vivos? Ou com todos os seres? No livro, os humanos fazem testes de empatia para verificar a humanidade do ser. Mas os testes não são perfeitos, visto que alguns humanos não conseguem passar. Quando o Rick fala que os androides não se importam com o que acontece com os outros androides, e a cantora da ópera afirma então que ele deve ser um androide, afinal, não tem empatia com os outros androides, fiquei muito abalada.

Claro que o ponto da história é dizer que esses robôs tem tanta humanidade quanto os humanos dessa realidade, mas… que raiva! E quando os outros androides torturam a coitada da aranha, não pude deixar de pensar que aquela atitude foi extremamente… humana.

No momento em que criarmos formas de inteligência artificial, é inevitável que sentimentos negativos sejam transferidos aos androides, não é? Sendo assim, ciúmes, raiva, desejo de vingança, não são coisas impensáveis, mesmo que sejam um tanto quanto irracionais. Nesse sentido, quando a Rachael mata aquilo que tanto importava para o Rick, vocês acham que foi uma atitude raivosa? Vingativa, por ele ter matado seus irmãos androides? Ou até ciumenta, com inveja dos sentimentos que ele nutria por um animal vivo de verdade, que não era um robô?

E se isso pode acontecer, é válido também pensar em outros filmes de ficção científica que trazem essa ideia, como 2001: Uma Odisseia No Espaço. Pode-se dizer então que é unânime que as inteligências artificiais do futuro sentirão ciúmes de seus humanos de estimação… Não sei se é apenas coincidência, mas eu também dormi assistindo esse filme. (Talvez seja alguma questão de ficção científica, já que o melhor sono que já tive foi no cinema assistindo Ad Astra.)

Ainda pensando em androides e algoritmos que sabem de tudo sobre você, acho inevitável pensar em quando Black Mirror ainda era uma série boa. No episódio Be Right Back, o personagem do Domhnall Gleeson (que deve ser um grande fã de ficção científica, ao contrário dessa que vos escreve, visto que está nesse episódio, no filme Ex-Machina, em Star Wars, e até em Questão de Tempo) morre e sua esposa usa todos os dados virtuais disponíveis para contratar um serviço que traz ele de volta, de certa forma. Primeiro, por meio da troca de mensagens com uma inteligência artificial que age como ele, escreve como ele e fala como ele. Eventualmente, ela compra um corpo de androide para ele, mas óbvio que não é a mesma coisa. Ele é apenas um reflexo do que era quando estava vivo. Será que meu comportamento poderia ser reproduzido por um algoritmo? Será que esse episódio já é realidade? Será mesmo que ele era apenas um reflexo das atitudes anteriores de quem ele era antes? Nunca teremos certeza, assim como a esposa dele no filme, que não teve coragem de matar o robô. Talvez ele não fosse apenas um robô. Talvez tivesse sentimentos. Tem um filme que passava na globo que termina com alguma coisa no sentido de aceitar que o robô era humano e tinha sentimentos na hora da morte dele, não tem? Lembro vagamente de ver isso quando era criança, e na minha cabeça sempre foi óbvio que se um ser sente, ele é humano, em algum nível.

Mas acho que parte do dilema é que não tem como saber se um ser sente ou apenas repete um comportamento que nos faz entender que ele está sentindo. Como nessa cena aqui do episódio supracitado de Black Mirror:

Não, estou apavorado, por favor, querida, não me faça pular. Eu não quero morrer.

E aí, hein? Robôs hipotéticos são capazes de sentir? São capazes de amar? Algoritmos pensam? Seres humanos pensam? O que nos difere dos algoritmos que nós geramos? Vamos todos morrer e a revolução das máquinas é apenas um questão de tempo? Não sei. Tanto pensei e a conclusão nenhuma cheguei. O que vocês pensam sobre isso?

One response to “eu dormi assistindo blade runner 2049 no cinema.”

  1. omg amiga que texto incrível ! eu também dormi assistindo Blade runner 2049 mas adorei ovelhas elétricas etc. muito a se pensar. por isso larguei o goodreads!

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