eu que nunca conheci o tiktok

tenho tido muita dificuldade em pensar, nos últimos meses. hahahha estava pensando antes de escrever essas palavras que precisava encontrar uma forma de iniciar meus textos sem que precisasse falar sobre o que eu estava pensando (ou a pura ausência dela). é como se nos últimos meses eu tivesse adquirido uma incompreensível incapacidade de organizar pensamentos em parágrafos. como se eu estivesse tão acostumada com conteúdo fast food que eu não consiga mais pensar numa longa refeição, com contexto, sentido, significado. e é isso, não sei nem continuar aqui, porque já interrompi meu próprio fluxo de raciocínio. tenho sido eu mesma uma forma tão presente de bloqueio, uma suposta vontade de fazer melhor que acabo podando todo tipo de autenticidade que qualquer coisa possa ter. como será que conserta isso?

parece que eu não tenho o que dizer, o que leva minha mente direto pra alguma coisa que eu tenha visto ou ouvido ou lido e que tenha gerado em mim algum tipo de insight, pensamento que seja digno de comentar. e não tem nada! e eu estou procurando há literalmente, um ano. na verdade, até mais! fui ver o que escrevi ano passado e achei uma bosta. que lixo. faço tudo errado sempre! sempre.

como eu sou chata!!!!!!

que pessoa chata chata chata chata

eu só queria ser mais interessante. mais legal.

é uma sensação curiosa.

não é como se essa fosse minha primeira vez me sentindo assim, primeira vez achando que não tenho nada para falar. é que eu começoe vou sentindo uma falta de um je ne sais quoi. e é engraçado por que eu acabo sempre pensando que quando estava no interior era mais fácil de fazer essas coisas. e sempre achei que fosse por causa da tristeza que sentia lá, mas hoje não tenho tanta certeza.

vivi grandes emoções em 2025. e mesmo assim não escrevi lá grandes coisas. veja esse blog: nada. li muito, e vi muito conteúdo de curtissima metragem e até de média metragem sobre isso. sobre a economia da atenção e sobre o quanto as micro redes sociais influenciam nessa nossa capacidade e bla bla bla.

e a realidade é que eu tenho que me responsabilizar pelo que eu escolho fazer. a vida é assim, mesmo que as redes sociais sejam feitas sob medida para captar meu interesse, falando exatamente o que eu quero ouvir quando eu acho que preciso ouvir aquilo, eu pratico passivamente a escolha de deixar que isso continue acontecendo de novo e de novo. que chatão isso. tem sido interessante sim tentar observar essa falha por essa ótica: eu devo fazer a escolha de entrar ou não nas redes sociais. e quando entrar, permanecer também é uma escolha. como é uma escolha continuar escrevendo, ou tentar encontrar um significado, ou pensar.

lembro que antes, eu era capaz de passar horas tomando banho sentada apenas pensando. sério. apenas pensando, sem consumir conteúdo além do conteúdo escrito atrás das garrafas de shampoo. inimaginável num momento em que eu não consigo escrever um parágrafo sem trocar de aba para ouvir música.

fico me colocando no lugar da protagonista de eu que nunca conheci os homens. imagina viver toda uma vida com uma liberdade tão grande que a única coisa que você pode fazer para passar o tempo é imaginar. se divertir dentro da sua própria cabeça. a protagonista vivencia isso de duas formas diferentes, se a gente for parar pra pensar: no princípio, quando ela está presa, não há muito que possa ser feito e ela vive dentro de uma cela pequena. as restrições fazem parte do pensamento possível. hoje vamos comer uma cenoura. amanhã, talvez 2 cenouras e nenhuma batata. um tédio tão profundo, que você passa a contar batidas do coração. imagina sentir tanto tédio que você conta batidas do coração entre as refeições. você conta tantas batidas do coração que você sabe contar batidas do coração enquanto faz alguma coisa mais importante. talvez não seja tão diferente assim da experiência de estar cumprindo pena restritiva de liberdade.



depois, quando ela está livre da sua prisão, descobre que pode fazer o que ela quiser. acho que é aí que a gente se perdeu. imagina ter uma liberdade tão grande que você pode fazer qualquer coisa que antes você não poderia. lógico, nem todas. se a gente pensa no contexto do livro, em que aquelas mulheres já teriam vivido uma vida como a nossa antes de serem aprisionadas, já tinham família, experiências e conhecimentos sobre como seriam as coisas que nós conhecemos muito bem hoje. elas sabiam como era o mundo lá fora. mas a protagonista nunca conheceu outro mundo que não aquele em que elas se encontraram quando a prisão que foi aberta. a protagonista não pode sentir falta daquilo que ela não sabia que existia. ela não conhecia os homens, afinal. ela não conhecia os homens, não teria como saber de nada, afinal, mesmo que você sinta falta daquilo que imagina ser uma televisão, você não pode sentir falta do que é mesmo uma televisão, você nunca conheceu uma pelos seus próprios sentidos, apenas pela descrição de pessoas que não são você e que não podem saber como é que você reagiria para descrever esse objeto.

e aí acho que mora toda a diferença entre a liberdade que a protagonista senta e as outras mulheres raptadas vão sentir. mas ao mesmo tempo faz a gente questionar: se a gente passasse por isso, ia preferir qual vida? uma vida supostamente livre em que eu posso escolher qualquer coisa para fazer. eu já conheço as opções. ou um universo em branco, em que a busca pelo conhecimento acabou de começar? lógico que no livro é uma escolha simples: a solidão torna extremamente complicado que se deseje estar tão só assim. ser a última pessoa viva, e única, e viver sozinha por séculos. ela não precisa se defender de nenhum mal. nem passar fome, ela pode comer do melhor que ela conhece (ela nunca comeu pizza antes, o que torna tudo mais fácil, imagino), não é necessário que ela se esforce para nada. ela tem tudo, mas vive só. ela pode escolher todas as outras coisas, mas estará sozinha.

parece tortura, mas se eu nunca conheci diferente, vou achar ruim?

é díficil eu hoje saber que o desconhecido é necessariamente ruim, se eu nunca vivi diferente do que eu vivo hoje. houve um tempo em que eu não sabia o que era um tiktok ou um whatsapp. se a gente for pensar, dá sim pra viver diferente apesar de ser estranho imaginar um mundo sem essas coisas.

uau! viu, galera! ainda tenho um pouco de capacidade de pensar. me deu alívio, eu já estava perdendo as esperanças, mas pelo visto eu consigo sim. sentiram minha falta???? eu senti!!!!!!!!!

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