Somente as pessoas mais próximas a mim conhecem meu mais profundo segredo: na semana final dos últimos seis meses, tenho realizado um ato de resistência à opressão do capital que almeja roubar para si toda a atenção do universo. Recrutei meus amigos mais cultos e que topam toda parada para uma aventura que no fundo almeja retomar um pedaço de mim que sumiu há bastante tempo, o pedaço que amava passar horas imersa em um novo universo dentro de um livro.
Foi assim que me vi encarando o desafio que propus para mim mesma no fim ano passado, quando percebi, no final de dezembro, que não tinha lido nenhum livro em 2022. Já que eu queria ler mais, por que não tentar conversar sobre essas leituras com outras pessoas e poder compartilhar um senso de obrigação social? O que me deu a ideia foi a saudade de um período pequeno da pandemia em que participei de um clube de leitura de contos em inglês com um bando de desconhecidos da universidade de uns amigos meus. Lá, percebi de que forma conversar com outras pessoas sobre pontos que consideramos admiráveis na história pode agregar diferentes significados e interpretações sobre tudo, desde o processo de leitura até a temática dos contos ou o significado da vida.
De alguma forma, sinto que a única forma de salvar a internet da sua morte cada vez mais evidente é trazendo de volta a escrita. Sempre me sinto um pouco idiota quando estou nesse tom pastoral dizendo que todos devemos querer de volta aquela internet útil e divertida do meio dos anos dois mil. Mas é que depois que o capitalismo cooptou para si mais essa ferramenta que por muito tempo permitia que a gente conhecesse um mundo tão diferente do nosso, e que hoje em dia faz isso de uma forma tão plástica que tudo parece caricato.
Nossa. É bem frustrante tentar encontrar uma resposta pras questões que eu tenho com a vida em sociedade sem o fim do capitalismo. Tudo que me incomoda parece ser culpa desse modo de produção desenfreada que certamente levará a nossa ruína. É difícil tentar resistir quando você não acredita que o futuro poderá ser diferente do que ele é agora. Enfim. Era só um brincadeirinha com as palavras e ainda assim acabei aqui pensando horrores. (literalmente)
O clube do livro, como eu ia dizendo! Eu pensei que o clube do livro poderia me proporcionar novas visões para o mundo se eu estimulasse a presença de pessoas que conheço e são diferente entre si. Acaba sendo bem isso pois democraticamente sugeri que cada um sugerisse livros diferentes para enriquecer a discussão e acabar lendo livros que jamais esperaria ler.
O clube meio que nasceu por causa do livro inicial, Tudo é Rio, da Carla Madeira, já que foi sugestão de um amigo ler esse livro juntos e lançou a proposta do clube. Seguindo ele, já lemos Querida Konbini da Sayaka Murata; Torto Arado, do premiado escritor brasileiro, Itamar Vieira Júnior; Os anos, da vencedora do Nobel, Annie Ernaux; A Invenção de Morel, de Adolfo Bioy Casares, e o mais recente, que eu ainda estou lendo, É assim que se perde a guerra do tempo.
Que doideira que é a literatura…
Quando eu era criança, eu adorava ler. Eu realmente… ficava lendo o tempo todo, e quando não queria mais ler acabava lendo mais ainda! Então antes de falar do clube do livro vou lançar uma lista dos livros que eu adorava ler quando era apenas uma garotinha que lia o tempo todo, lá entre meus 10 a 16 anos.
5 Livros que moldaram minha personalidade:

- Deltora Quest – Emily Rodda
Fui refletir sobre esse aqui pra escrever um breve resumo e percebi que não lembro de nadinha além de uns bons plots twists que acontecem no final do último livro. É uma série de aventuras bem curtinhas que acontecem num universo meio medieval em que um senhor das trevas está escravizando todo um reino e trazendo muita maldade e destruição para todos e, como acontece com frequência nesse tipo de situação, apenas alguns adolescentes poderiam se juntar para resolver tudo. Temos um trio de personagens principais que tem em comum o ódio pelo vilão e um cinturão de poder que precisa de suas sete pedras preciosas para derrotar o mal. Durante os setes primeiros livros eles saem em uma jornada para encontrar cada uma das pedras que dão poderes, lutando contra as mais terríveis criaturas. É bacaninha e no final (atenção revelações de um livro infantil a frente) a gente descobre que o pai de um na verdade era o pai do outro e que o rei estava fingindo ser ferreiro e ninguém reparou! O jeito que esse final foi contado jamais desocupou minha mente. Pena que o resto da história não pode dizer o mesmo.
Também dessa autora passei muitos dias da minha vida literária lendo O Segredo das Fadas, que eu lembro ainda menos do que lembro de Deltora Quest. Mas fala sobre um garotinha que tinha uma relação próxima com a avó (o que fazia eu me identificar) e que conseguia entrar pelo jardim e visitar um reino mágico em que sua avó era uma rainha antiga que abandonava tudo para viver um grande romance com seu avô humano. Enfim. Eu lembro que o livro tinha pequenos cavalinhos e de cenas bem descritas de café da tarde com seres pequenininhos. Eu me divertia.

2. A Menina da Sexta Lua – Moony Witcher
Caras, simplesmente tirei isso de um lugar tão profundo da minha memória que ficou um buraco no lugar. Caramba, como que pode a gente simplesmente esquecer da existência de uma coisa de um jeito tão forte que a gente lembra só de pedaços de coisas que deveriam estar lá. Como se eu só lembrasse desse livro por meio das coisas que eu sei que ele não tem mais. A menina da sexta lua foi um livro que convenci meu pai a comprar pra mim na livraria que por muito tempo foi a única da cidade, mas mesmo assim fechou. A gente passava na frente da livraria enquanto ele me levava pro curso de inglês. Eu sempre adorei passear de carro com o meu pai e ele sempre fez questão de me levar de um lado pro outro quando eu era diretamente responsabilidade dele. Pensando assim não faz nem sentido que uma realidade que foi a única coisa que eu conheci por toda a vida não exista mais. Todos os dias eram muito semelhantes e ai de repente você sai do ensino médio e sua vida vira uma bagunça todos os dias e é impossível encontrar uma rotina segura como a vida comum de uma garota suburbana com pais amorosos cuidando de você. Eu amava tanto viver aquilo ali. Enfim, eu sinto falta de ter essa rotina e conforto familiar tão próximos. Esse livro aí me futucou profundamente porque lembrei que era obcecada pela lore complexa das cartas de tarô e os pontos turísticos italianos e arcanos e robôs em um contexto tão diferente. Nossa, eu adorava. Mas assim como lembro pouco de rotinas que eu fazia diariamente, lembro ainda menos do conteúdo desse livro.
3. Poderosa – Sergio Klein
Esse aqui eu lembro até que quis comprar por que vi uma propaganda sobre ele no Cartoon Network. E foi perfeito. Lembro que li tão rápido que meus pais não conseguiam acreditar em mim. Nessa época, ao comprar presentes de natal, meus pais simplesmente não ligavam se eu pedia pra ler o livro antes do natal chegar. Nossa. Eu adorava tanto seguir a vida cheia de acontecimentos da Joana, que transformava em realidade tudo aquilo que escrevia com a mão esquerda. É engraçado entender de que forma a literatura pode ir moldando nossa personalidade aos poucos, mas pra mim faz todo sentido que um livro que trate com tanta naturalidade temas importantes tenha provocados tantos impactos na minha forma de ver a vida. O Sergio fazia referências a poesia e história de uma forma muito impactante na minha cabecinha adolescente. Eu já não lembro direito como a Joana Dalva se relacionava com os outros personagens, só de pequenos pedacinhos que estão carbonizando meu cérebro com o esforço enorme pra fazer algum sentido aqui, mas eram história sobre primeiro amor, menstruação, velhice, morte, divórcio, piercings, tatuagens, traição, sequestro! Tudo de uma forma muito interessante e que traz reflexões sem você nem mesmo notar que está desenvolvendo novas formas de ver a vida.

4. O Diário da Princesa – Meg Cabot
A Meg Cabot foi outra pedra fundamental da criação da pessoa que eu sou hoje. Sério, a Mia moldou minha personalidade de uma forma absurda até e eu lembro tanto de ler essa série de livros na escola, na biblioteca, nas aulas de matemática, no sofá bege da minha adolescência, numa arquivo do word mal editado baixado de uma comunidade do Orkut. É incrível tudo isso! A vida era muito diferente nessa época e eu comprava livros em promoção no submarino com frequência, imprimia boletos com 5 livros por 50 reais e deixava em cima da mesa de vidro da sala, perto dos conteúdos dos bolsos do meu pai na expectativa de que ele pagasse. Comprava livros pra mim e livros pra ele. Era muito comum que eu quisesse ser como o meu pai, que adorava ler. E eu adorava ter coisas em comum com ele. Éramos conectados!
O Diário da Princesa foi a única série da Meg Cabot que eu nunca possuí, mas acho que foi a que mais tempo passou pela minha cabeça, talvez por não ser sobrenatural e ser sobre a escola. Não sei. Mas tem coisa que até hoje eu vivo no dia a dia e penso nesse livro. Sei lá!

5. O livro das garotas audaciosas
Esse livro era sensacional: uma espécie de manual que falava dos mais diversos hobbies e curiosidades. Completamente adaptado para o Brasil, tinha seções para falar de mulheres heroínas de diversos países, enfiando o feminismo na pequena Gabriela desde antes de o feminismo ser normalizado. Nossa, era tão divertido ler sobre mulheres fantásticas, princesas, revolucionárias. Tem capítulo sobre leitura de mãos, sobre criptografia, sobre como fazer canetas de penas, prensa de flores, como dar nós. Nossa, eu me sentia tão legal com tanto conhecimento.
Enfim, depois de uma viagem no tempo como essa, vou ter que deixar pra depois a missão de falar sobre os livros de 2023. Espero que compreendam.
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