todas as vezes que penso em escrever, o parágrafo se inicia com uma locução adverbial de tempo. geralmente é às vezes. ou todas as vezes. afinal, o que é uma vez? era uma vez, uma frase tão genial que acreditei que seria inesquecível e que, mesmo sem anotá-la, eu seria capaz de me recordar e escrever todo um texto sobre como aquele pensamento era digno de laudas e laudas de escrita. mas é provável que não fosse, dado que me esqueci.
recentemente fui no psicólogo, coisa que costumo fazer todas as semanas, e ele acabou sugerindo que, quando permito que O Outro tome todas as decisões sobre o que farei, perco meu direito de escolha e posterior reclamação a respeito deste fato. o que é óbvio. mas eu não estava percebendo. agora estou, o que é dolorosamente desagradável, já que por acaso isso não mudou muita coisa além da percepção não solicitada de que eu jamais penso no que eu de fato quero fazer e sim no que eu acho que os outros querem que eu faça.

tudo me leva a pensar na cena em a fleabag expressa para o padre que parece que todas as decisões que ela toma são erradas e que ela precisa que alguém diga a ela o que fazer. eu, também, acho que faço tudo errado sempre e gostaria de apenas seguir o que os outros falam. mas entendo que os outros também erram com bastante frequência. somos todos o Outro de alguém, e todos principalmente… humanos.
enfim
me peguei pensando repetidas vezes em possíveis textos que poderiam ser escritos nessa mesma caixinha de texto e que de alguma forma sempre começavam com a mesma locução: as vezes, penso isso. sempre me pego imaginando um texto sendo iniciado. e esse texto sempre começa da mesma forma, independente de seu conteúdo.
o que é um texto, afinal?
detesto quando todos os textos tem um mesmo tema. acho um saco ler a mesma coisa um monte de vezes independente de quem escreveu. tudo bem, tudo que foi pensado hoje em dia provavelmente já foi escrito por alguém. estava puta hoje mais cedo justamente porque já li trocentas jornalistas explicando o mesmo motivo pelo qual escolheram se tornarem jornalistas. e ainda assim cá estou eu escrevendo de novo e de novo o mesmo texto sobre escrever.
ENFIM!
O Outro. eu, particularmente, detesto os outros. queria viver isolada da sociedade. não gosto de ninguém. odeio arte. odeio gente. odeio ser vista. gostaria de uma existência astral. eu pairo, mas não existo. isso sim seria o ideal.
dia desses estava num avião. por algum motivo, meios de transporte me incomodam profundamente. é um estar sem estar. como uma não-existência na existência. o que torna o parágrafo anterior meio hipócrita. se o sonho é não existir, então porque estar em um não-lugar é tão incômodo? não sei. pessoas me incomodam. no avião, trocentas pessoas. no trem milecentas. gente. gente que emite sons. situações. é tudo tão cheio.
talvez o problema seja temporal. é um tempo de puro ócio e desconforto físico. não estamos mais acostumados ao ócio. não sei.

estou tão mau humorada, sinto que esse sentimento permeia tudo que faço nesse momento. cada conversa, leitura, escrita. penso, logo despejo cobras e lagartos.
quando comunicamos nossos desejos e questões aO Outro, estamos autorizando que ele opine sobre aquilo que iremos fazer. se permiti que O Outro fale sobre o que Eu irei fazer, e então sigo o que o O Outro falou, nada mais natural para mim reclamar com O Outro sobre como ele me induziu a escolhas imbecis. mas a culpa não é dO Outro se Eu decidi fazer aquilo. paciência. somos eternamente responsáveis pelas escolhas que fazemos. como por exemplo seguir os conselhos dOs Outros.
então cabe a nós mesmos a difícil questão de lidar com nossos próprios erros.
quando eu li Querida Konbini, achei meio estranha a forma como a protagonista opta por simplesmente seguir um manual da vida. se pudesse, ela faria somente aquilo que estava expresso no manual. uma vida sem desejos que não fossem seguir as regras e normas da sociedade. o quanto isso é diferente de viver seguindo as infinitas regras da sociedade, eu não sei! talvez porque as regras da sociedade estão nas entrelinhas, o que é ainda pior, já que você precisa dar a sorte de compreende-las. só que nem sempre a gente entende.
e o que isso tem a ver? não sei.
nao sei nao sei nao sei.
eu sou apenas eu.
acordar 5 da manhã é capaz de deixar qualquer um de mau-humor, mas eu já estava predisposta ao sentimento, sabe deus o porquê. não estou numa fase lá muito mentalmente estável. as coisas estão tão bagunçadas, e eu não consigo parar de pensar no mais maligno de todos os assuntos.
ouvi um podcast no trem sobre trabalho. eu também tenho a sensação de que meu trabalho é de mentira e sem propósito. com frequência penso nisso e imagino como seria ter um emprego que existe porque é inevitável que exista, e não porque é inevitável que exista numa sociedade capitalista. são coisas tremendamente diferentes. a produção pelo consumismo simplesmente não tem… razão. não é necessária. isso é muito frustrante.

lógico que se você me conhece a probabilidade de já ter ouvido minhas lamúrias sobre o quanto me sinto a pior pessoa do mundo toda vez que vou trabalhar e atuar em nome de uma das mais malignas corporações (não porque é má enquanto empresa, mas porque esse tipo de empresa é, de certa forma, inerentemente maligna). penso sempre em alternativas. qual tipo de trabalho tem função social? como encontrar algo que eu goste de fazer e que tenha sentido? não sei. algumas profissões parecem ser Boas. mas nenhuma de fato parece boa o suficiente.
o que é meio old, já que o sistema está inteiramente fadado ao sofrimento. mas ainda assim eu queria que a vida tivesse algum significado.