• há consumo ético sob o capitalismo? – 20/02/2019

    Esses dias atrás eu estava pensando sobre capitalismo como infelizmente faço em quase todos os momentos da minha vida. Eu penso no capitalismo quando ando na rua e vejo pessoas. Pessoas andando em carros enormes, pessoas vendendo cadarços em camelôs, pessoas que trabalham de madrugada, pessoas que pedem desesperadamente pra você comprar o sanduíche que alguém deu pra ela, que ela precisa do dinheiro e não de comida; pessoas que dormem no meio da calçada como se estivessem pedindo ajuda. Mas beleza, não adianta muita coisa pensar.

    A gente sente vontade de fazer alguma coisa pra ajudar também. Sempre faço o que está ao meu alcance pra que pessoas não precisem passar por situações vexatórias em troca de dinheiro. Compro coisas que não preciso só porque penso na pessoa ficando o dia inteiro andando ou parada trabalhando pra ter um lucro tão ínfimo… Sei lá. É triste e complicado e nunca sei como lidar com essa circunstância. Eu só penso e me sinto mal. Sinto culpa por não precisar passar pela mesma situação. E alívio também. Mas num geral sinto muita raiva pois acho que não tenho nenhuma capacidade de fazer uma cócega sequer na nossa sociedade do jeito que ela é.

    Quando o segurança matou o jovem, li na rede social sobre boicotes à rede de supermercados de onde o segurança saiu. O tweet falava sobre a efetividade de um boicote aos supermercados no capitalismo e mencionava também o caso do cachorro que foi assassinado em um supermercado. Isso me botou a pensar de novo no capitalismo e a ficar triste pois nem mesmo um boicote, ferramenta que foi eficiente em momentos diversos, o jovem do século XXI é capaz de organizar. E não só porque o jovem é incapaz de organizar coisas ou porque a esquerda é incapaz de se unir, mas também porque o capitalismo nos consumiu e tudo que vivemos é uma enorme ilusão da possibilidade de tomar escolhas eficientes e éticas. Não estou nem convencida mais de que a internet é boa e que a globalização foi positiva de verdade. Claro que tem pontos positivos que são imensos e que nem precisam de apresentação mas poxa vida. As vezes parece que somos mais frios, que não ligamos para os acontecimentos ruins, e que a internet traz tantas notícias e informações que nós simplesmente não nos importamos mais com nada. Só com nós mesmos, e olha que nem sempre.

    Mas enfim. O ponto que eu queria fazer, eu já perdi. Fui ali pesquisar sobre boicotes e casos de sucesso e li sobre a vitória que boicotes tiveram no Apartheid. Tá que eu li cerca de 5 linhas na Wikipédia, mas achei um tanto quanto triste que os boicotes foram efetivos por causa de um “desinvestimento”, ou seja, que quem teve sucesso mesmo foram as empresas que deixaram de investir na Africa do Sul. Quer dizer, a nossa influência é pequena e só passa a ser relevante para um país quando empresas gigantes acham que vai incomodar o lucro delas. Não sei, me perdi toda, mas num geral acho um saco que o cidadão não possa ter alguma efetiva de verdade, apenas uma multinacional para a qual nenhum cidadão importa. Pois cidadãos não importam para o governo, apenas empresas, e para as empresas nenhum cidadão importa, apenas consumidores.

    Compre batom……

    Mas aí beleza, a gente pode querer pelo menos limpar a nossa consciência e consumir eticamente. O tweet lá de cima fala sobre liberdade de escolha e sobre todos os supermercados serem de um só dono mas no fim das contas nós podemos perceber que todo o mundo tem só uns 10 donos mesmo. Você pode querer não consumir coisas da Unilever sei lá por que, motivo é o que mais tem, mas aí você vai passar horas no supermercado procurando um shampoo pra comprar porque todas as marcas de shampoo são da Unilever ou da P&G ou Johnsons&Johnsons e as marcas que não são custam um milhão de reais. Não existe alternativa. O monopólio faz com que essas empresas possam cobrar o preço que quiserem e é interessante para eles ter um shampoo barato, um médio, um caro. Por que não vários? A Unilever tem! Ela tem TUDO. Como se consome eticamente então?

    Parece mas são diferentes!! Aquele é sobre comida e esse aqui abrange outras coisas além.

    Segundo a internet, consumo ético é aquele socialmente justo e ambientalmente sustentável. É preciso respeitar o meio ambiente e a sociedade, seguindo as leis trabalhistas e a legislação ambiental. Mas é subjetivo também, já que, por exemplo, veganos não compram de marcas que apoiam rodeios ou que testam em animais, e também não consomem de empresas que vendem no mercado chinês (pois ele exige testes em animais). Algumas pessoas não consomem de empresas cujos donos apoiam abertamente certos presidentes, outras jamais comprariam em empresas de homofóbicos, etc. De todo modo, se comprometer a consumir de maneira ética acabaria fazendo com que você não comprasse de nenhuma dessas empresas das imagens, além de muitas outras. Você teria que comprar de produtores pequenos, dando sempre preferência para locais; pensando em agrotóxicos, você compraria apenas orgânicos; optando por não machucar animais, você não comeria carne. E ainda assim, nunca seria o suficiente. Como você boicotaria a Vale, responsável pela morte de centenas de pessoas e pela destruição de um rio, diversas comunidades, e milhares de animais?

    No fim das contas, achei bastante pertinente o que o polêmico Zizek pensa sobre consumo ético:

    Zizek pergunta: quem compra frutas e verduras orgânicas realmente prefere esses vegetais aos produtos transgênicos ou que receberam tratamento químico? Esses produtos são mais gostosos? Nada disso importa. O que interessa é que os produtos orgânicos fazem bem à consciência do consumidor, que sente estar “fazendo algo” pelo meio ambiente. Para Zizek, isso é cinismo.


    O filósofo argumenta que a caridade e o “consumo ético” não modificam essencialmente o capitalismo. Pelo contrário: ajudam a perpetuá-lo, porque, segundo Zizek, a única forma de realmente ajudar os miseráveis no mundo seria proporcionar-lhes a capacidade de criar sociedades em que a pobreza seja impossível, e o “altruísmo” impede isso.

    Tirei do Estadão: https://outline.com/jHPh7X

    Não sei se iria tão longe quanto ele foi, mas é no mínimo curioso pensar que o que nós temos como consumo ético é algo que serve apenas para nos dar paz de espírito. O capitalismo continua sendo selvagem e nós continuamos sem fazer cócegas no sistema. Segundo a solução do Zizek, (me baseando completamente nesse texto que li no Estadão, pois nunca li nada dele além disso rs.) não tem muito o que nós possamos fazer, não é mesmo? Afinal, não sei como proporcionar a capacidade de criar sociedades em que a pobreza seja impossível e inclusive discordo que quem impeça isso seja o altruísmo. Para mim faz muito mais sentido que sejam pessoas que estão felizes no poder, com muito dinheiro e podendo se divertir com a compra e venda de empresas. E brincando de Deus. A menos que o Zizek queira dizer que essas pessoas fazem caridade e por isso acham que tem o direito de brincar de Deus.

    Enfim. Achei interessante a entrevista do Mujica em que ele disse:

    Temos muita gente com fome, sem abrigo ou com casas miseráveis, e conseguimos, até certo ponto, ajudar essa gente a se tornar bons consumidores. Mas não conseguimos transformá-los em cidadãos – os processos são lentos demais, é mais fácil resolver de imediato o problema da (falta de) comida, porque é algo que fala de imediato à nossa consciência. Mas não conseguimos cortar a imensa dependência que temos deste mundo atual que se expande cada vez mais. Queremos consumir como o primeiro mundo enquanto ainda não resolvemos nossos problemas mais básicos. Isso resulta na criação de condições brutais de vida.

    Tirei da BBC: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46624102

    É bem triste que uma pessoa com condições de causar mudanças disse isso. Mas pelo menos alguma mudança foi feita e ele parece acreditar que é possível atingir a cidadania, tanto que termina essa pergunta dizendo que “Seguiremos em frente”. Eu particularmente acho muito difícil mas se uma pessoa mais estudada, mais experiente e bom, mais tudo que eu (exceto bonita, pois sou muito mais), acha possível, quem sou eu pra discordar, né.

  • 12/02/2019

    ai ai.
    nós nunca sabemos pelo que o coleguinha está passando. as vezes ele foi escroto com você porque está passando por um momento complicado. mas as vezes você estava passando por um momento complicado quando ele agiu de forma desagradável e você entrou num momento ainda mais pesado do que antes. é impossível medir o peso de todas as nossas ações.

    eu penso nisso o tempo todo. se todas as nossas ações recebem uma nota, será que deixo de ser uma boa pessoa se reclamo de uma coisa que me deixou triste? será que sou uma pessoa ruim porque ao reclamar de certa atitude que me incomodou estou, de certa forma, incomodando alguém ou deixando alguém triste? será que tem como o michael consertar esse negócio de pontuação para ir para o good place? afinal, se formos pesar exatamente cada consequência de nossos atos, ainda valerá a pena agir? atos positivos podem ter consequências tão negativas como nessa série? (não terminei essa temporada de the good place ok) (tudo bem que a série faz essa crítica à nossa mania atual de dizer que tudo é ruim e que se usarmos canudo de plástico estaremos matando todas as tartarugas. sendo que é bem mais complexo que isso, já que as coisas são complexas MAS AINDA ASSIM.)

    eu demais.

    uma vez eu li uma matéria assustadora sobre como a china é, basicamente, o episódio nosedive de black mirror. eu fiquei horrorizada, sim. contudo, ao mesmo tempo, eu fico querendo que a minha opinião virtual enquanto crítica de estabelecimentos e restaurantes seja ouvida e seja relevante. só que eu não quero que meus pais, donos de um comércio, tenham também que lidar com críticas virtuais. minha mãe fica triste. mas e se o local que eu critiquei (bife tão ruim quanto o atendimento) também tiver uma pessoa que vai se entristecer lendo esse comentário? e se a minha crítica for encarada só como uma maneira de diminuir a nota do restaurante e ajudar a levá-lo a falência? será que devo fazer apenas elogios? será que devo não dar notas a nada? será que devo jogar o celular no lixo e tentar viver como se não houvesse tudo isso de notas e informação e consequências para nossos atos?


    não consigo saber o que fazer. posso tentar sempre fazer o melhor que eu puder mas as vezes é simplesmente impossível, as vezes eu não percebo que estou tendo uma atitude desagradável. e mesmo assim, uma atitude agradável vai resultar em pessoas felizes? e se eu dou uma roupa de presente pro meu namorado e beleza, eu e ele estamos felizes mas e a pessoa que foi escravizada pra fazer a camisa? duvido que ela ficará feliz.


    eu penso também naquele filme, questão de tempo, em que o irmão do rony weasley vilão de star wars chega a uma conclusão muito bonita sobre viver a vida de forma relaxada e tranquila como se fosse a segunda vez que você está vivendo aquele dia. não era exatamente isso, beleza, mas eu lembro que era um final muito gostoso que dava vontade de viver e ser feliz e simpática o tempo todo. não sei fazer isso mas, bom, acho que temos que tentar. sem ficar se vilanizando por ter falhado algumas vezes. sei lá. é um assunto que me traz muito mais perguntas do que respostas, e me deixa com muitos sentimentos conflitantes.