• processo de normalização

    ocasionalmente sou surpreendida pela acachapante realidade que bate na minha porta, sussurrando bem baixinho, de forma sorrateira, me recordando que sou uma pessoa profundamente só. essa solidão é a que sinto em momentos específicos, quando não há nada para fazer e eu já tentei de tudo para encontrar alguma coisa que pudesse me distrair e nada existe e nada é interessante e não sobra nada além de pensar no fato de que eu estou sozinha.

    eu.

    não é que eu me sinta pouco amada, ou que eu esteja desacompanhada. as pessoas estão ao meu redor e mesmo assim… falta alguma coisa. estou em casa e meu namorado está trabalhando. estou no trabalho dos meus pais e eles estão trabalhando. estou sozinha, e atualizo todas as redes sociais possíveis buscando uma beiradinha de companhia, como se isso pudesse mudar essa sensação de que falta algo. o tempo passa e ninguém emite um único tweet. uma reclamação. nada. estou só. estou só na vida real e na internet.

    parece pueril dizer isso, e tenho consciência de que é uma escolha que eu faço, mas o ato de atualizar todas as redes sociais que existem no universo costumava me trazer uma falsa ilusão de companheirismo e companhia, como se naquele espaço existissêmos tanto eu quanto pessoas que se identificam comigo, e acabo perdendo oportunidades de sair desse isolamento social presencial em que me coloco meio que sem querer. na realidade, quando estou vivenciando o mundo lá fora, uma espécie de nervosismo misturado ao medo irracional de que algo dê errado faz com que eu busque conforto nessas redes em que sei como as coisas funcionam.

    ela.

    recentemente li o livro “querida konbini”, de sayaka murata, sobre uma funcionária de uma loja de conveniências japonesa que passou mais da metade de sua vida num trabalho temporário, considerado inferior pelos outros membros da sociedade. para a Keiko, quando ela está na konbini, ela se despe da necessidade de fingir ser normal e passa a ser nem homem, nem mulher, e sim Funcionária, um ente que existe naquela loja para servir aos clientes e otimizar sua experiência. é naquele ambiente ela experimenta a sensação de normalidade que tanto desejam para ela, afinal, ela sabe ser Funcionária com maestria. as reflexões sobre a sociedade japonesa (a sociedade em geral, na verdade) fazem a gente pensar nos papéis que são esperados de nós e no quando precisamos nos esforçar pra fazer aquilo que é “normal”. estudar, casar, se reproduzir, trabalhar, que hoje acaba sendo um eterno processo de produção ad infinitum, e finalmente morrer. o livro levanta o debate do que acontece quando você não se encaixa nessa linha de produção da sociedade, dando tanto o exemplo da Keiko quando do seu colega incel.

    particularmente sempre desejei a normalidade. sempre quis ser como todos os outros, atuar como uma pessoa sem ansiedades, fingir na frente de todos ser alguém diferente, agradável. minhas grandes questões hoje em dia ainda tem forte relação com o fato de que eu simplesmente não me sinto capacitada para fazer as coisas que na minha cabeça são normais. aqui sempre tem um dilema rolando, desejos que vão de encontro a uma parte de mim que não acredita na minha capacidade de fazer as coisas que eu deveria fazer, afinal, todo mundo faz, por que eu não conseguiria?

    um passo de cada vez, eu penso. e ainda assim. a angústia tremenda de talvez nunca conseguir fazer uma coisa que você deseja muito…

    Vocês já pararam para pensar que se você fosse uma pessoa completamente diferente, você viveria tudo diferente e absolutamente todas as sensações seriam diferentes? Quer dizer, se eu tento por um segundo imaginar que sou uma pessoa de origens diferentes da minha, que tive todas as experiências diametralmente opostas as que tive, eu simplesmente não saberia o que aquela pessoa, aquele eu, pensaria ou faria em quaisquer situações, por mais que tente me colocar naquele lugar.

    sim sim eu exagero muito em todos os advérbios do mundo.

    Talvez isso seja uma questão particular minha. Talvez vocês sejam capazes de se colocar nos calçados dos outros. Na realidade, as pessoas conseguem fazer isso, não é mesmo? Não é assim que livros são escritos? Pessoas se colocando no lugar de outras pessoas e imaginando situações e as coisas que podem vir disso.

    É por motivos como esse que eu não escrevo. Toda vez, meus personagens tem reações que a Gabriela teria, e não as reações que pessoas que viveram tudo de outra forma teriam. Acho que pra se colocar no lugar do outro assim é preciso um exercício muito grande para tentar imaginar o que é ser o Outro. Como o Outro vive. Quais decisões ele consegue tomar. E mesmo assim, ele vai estar apenas fazendo aquilo que você acha que ele faria. É complicado.

    enfim, sabendo que nunca duas pessoas jamais conseguirão compartilhar o mesmo sentimento, é impossível deixar de se sentir profundamente só, em alguns momentos. as vezes é por isso que fazemos amizades com aquelas pessoas que se aproximam da gente.

    e apesar de toda essa reflexão sobre como o Outro é um ser que sente desejos de formas totalmente diferente de mim, de alguma forma eu continuo sentindo esse pavor de ser diferente. um medo paralisante, por vezes, de tentar fazer aquilo que eu quero fazer, por temer os resultados.

    aaaaaa.

    não sei.

    talvez vocês nunca tenham vivido essa experiência mas acredito que todo mundo que já conviveu com uma criança novinha sabe que em alguns momentos, a criança está exausta, cansada, morrendo de sono. e ainda assim ela se recusa a dormir. ora ela quer brincar, ora brigar. mas não dormir, que é o que ela deveria de fato fazer.

    eu sou essa criança, nesse momento. eu quero remoer a minha solidão e meu vício em redes sociais e todas as repressões que sinto que tenho comigo mesma e eu quero fazer tudo isso tendo dormido somente 4 horas durante a noite.

    vocês pensam sobre isso? ou só eu estou me sentindo assim, tão sozinha?

  • a supercut of us: 2022 edition

    quando entrei na faculdade, por uns dois anos mantive uma lista anual no meu celular com coisas que eu estava fazendo pela primeira vez na vida. em 2016, quase tudo era novo pra mim: foi minha primeira vez na universidade, primeira vez morando longe dos meus pais, a primeira vez que fiz sexo, primeira vez que tomei banho de cachoeira. com o passar do tempo, sobram menos coisas para se fazer pela primeira vez. em 2017, acho que foi a primeira vez que namorei, primeira vez que fiz um estágio… enfim. o número de coisas feitas pela primeira vez já não preenchia uma lista satisfatoriamente grande. acabei deixando essa mania pra lá e em 2018 já não tinha mais lista para preencher.

    em 2022, minha vida mudou de uma forma tão grande, tão enorme, que me fez perceber que sempre há tempo de fazer alguma coisa nova pela primeira vez. longe de mim querer divulgar aqui todas as minhas privacidades, comunicar todos os atos inovadores que acometeram minha existência. um pouquinho de mistério é essencial. mas todo mundo sabe que foi o ano que finalmente comecei a trabalhar, e isso por si só já muda completamente uma vida. sendo assim, acho que 2022 merece uma retrospectiva só sua, e, me inspirando numa thread que li no twitter, vou fazer ela em temas:

    5 músicas que comporam o meu 2022:

    5) willow – female energy pt 2

    o álbum willow em geral foi ouvido a exaustão em 2022. mais pelo começo do ano, quando eu ainda estava morando no hotel, eu chegava do trabalho, comia alguma coisa e ouvia essa música. me dá uma paz muito grande, especialmente naquele momento de maior angústia no trabalho. a willow acertou demais, tanto no willow quanto no lately i feel everything. e no the anxiety. as músicas são sensacionais para ficar gritando no banho e enquanto você cozinha. se todos os nepobabies fossem assim o mundo seria um lugar muito melhor. will smith e família jamais erraram.

    4) as it was – harry styles

    preciso admitir que peguei implicância do nosso colega harry styles durante a pandemia. é engraçado, até, pois até pouco tempo atrás (se bem que parecem décadas) eu tinha ingressos comprados para o show dele, e nessa semana que passou agora ele fez até show no brasil e simplesmente caguei pra ele.

    contudo, a grandeza dessa canção me pegou de jeito. não consegui parar de ouvir em momento algum. erick enjoou dela no primeiro dia, já que era tudo que eu conseguia ouvir. ela ficou no meu top 3 de músicas mais ouvidas, e no top 3 dele também, porque eu ouço muita música na alexa. a vibe da as it was me capturou e sempre me sinto tirada do presente e jogada num passado em que as coisas já não são mais as mesmas… o que acaba sendo bem eu em 2022.

    3) no one dies from love – tove lo

    essa foi a mais difícil de decidir, já que as it was não saiu da minha cabeça, e a primeira colocada foi ouvida a exaustão. mas é inegável que a tove lo é uma musa inspiradora para mim. desde habits, acho ela linda, legal e bem. queria ser um pouco como ela. o clipe de no one dies from love é lindo! tem tudo que eu gosto nele: robôs, romance entre mulheres, belas danças.
    sério: ela conseguiu fazer um clipe que conversa muito com pensamentos que tenho tido frequentemente desde que escrevi aquele texto lá sobre androides e nós enquanto seres humanos algoritmizados. a música ainda trata de um tema que eu amo, que são sentimentos que a gente tem certeza que está sentindo mais que as outras pessoas. ninguém morre por amor porque ninguém nunca sentiu isso aqui que EU estou sentindo. pois tenho certeza que eu irei morrer.
    sabe?

    2) hatchie – lights on

    eu não sei quem é hatchie, nunca fui atrás de conhecê-la, mas erick ouvia essa música e acabou me viciando. quantas vezes eu passei raiva implorando pra alexa por favor tocar hatchie lights on e ela se fazendo de burra. foi muito difícil! mas sério, além da letra extremamente relatable (eu também never felt so good with the lights on), eu adoro essa vibe dream pop, uma coisa meio antiga. sei lá. e absolutamente todas as músicas da hatchie são perfeitas! sério, tenho certeza que vocês vão gostar!!!! ela inclusive tem um cover de august da taylor swift que é sensacional!, ouçam! recomendo também obsessed e stay with me e enfim. todas.

    1) motion sickness – phoebe bridgers

    sim, a música não é de 2022. mas é do meu 2022. essa música literalmente moldou minha personalidade, foi a mais ouvida de 2022, me fez chorar em pleno show. ai. ela é incrível. eu amo tudo sobre ela, especialmente a forma que ela me permite interpretar de diferentes formas toda a minha vida ao redor de umas frases que pra mim é inevitável ouvir e pensar meu deus isso é muito EU.

    filmes marcantes que vi em 2022:

    esse ano teve poucos filmes, mas vários 5 estrelas: volver, velvet goldmine, priscilla queen of the desert, everything everywhere all at once… sem contar os outros que não pegaram 5, mas foram muito marcantes, como lunana, que vi na minha célebre viagem pra são paulo, naquele cinema que a fernanda gosta de falar que todo mundo precisa ir, ou o longa chinês que assisti no mubi, so long my son, sobre um casal chinês e as implicações da política do filho único na vida deles após perderem seu filho.

    acho que todos os filmes me fizeram pensar muito.

    lunana é um filme que trata de uma realidade totalmente diferente da minha, e é interessante ver como outras culturas lidam com questões como educação, felicidade e globalização.

    everything everywhere all at once é o balanço quase ideal entre aventura e um papo cabeça gostoso sobre maternidade e a destruição de quem nós somos de dentro pra fora. todo mundo assistiu esse, né? eu não lembro de tudo, mas lembro que adorei assistir.

    um outro filme que merece uma menção honrosa polêmica é A Perfect Pairing, da netflix. é um romance bastante água com açúcar que tem todos os pontos necessários para tornar uma comédia romântica clássica:

    • casal de protagonistas bonitos e com química
    • a mocinha perde tudo e precisa recomeçar a vida do zero
    • vai pro interior buscando a solução para os seus problemas
    • percebe que não vai ser fácil
    • mas o cowboy gostoso que gerencia a fazenda torna as coisas mais simples com sua ignorância e abs
    • com trabalho duro ela vence seus desafios na roça, beija o cowboy e acaba terminando com ele só porque descobriu que ele não foi 100% honesto: ele não era só um peão, e sim o dono riquíssimo da fazenda!
    • mas sem problemas pois ele irá viajar para o outro lado do mundo atrás do perdão dela.
    • ai ai o amor é tão romântico!
      o filme é RUIM. o final é mediocre. mas é como diz aquela crítica lá, naqueles 50 minutos te deixa num lugar muito confortável.

    séries que amei em 2022:

    • las de la ultima fila

    já falei dessa aqui, e é curtinha, todo mundo tem a obrigação moral de assistir!

    série é foda pq eu literalemnte nao termino nenhuma.

    óbvio que eu já não me lembro de nada que eu vejo, leio, ouço e preciso de apoio externo pra poder escrever esse post. eis que adentrei o goodreads pra ver os livros de 2022 e encontrei uma cena sangrenta e inesperada:

    sim, isso mesmo. não sei mais ler.

    ENFIM. como em todos os posts, deixei pra terminar esse aqui mais tarde e aí tudo perdeu a graça e sentido. falar sobre o que consumi ou deixei de consumir de repente não é tão legal quanto parecia antes. mas existem milhões de coisas que eu de fato fiz. vamos a elas:

    1. após passar o ano novo com meu amado, fomos numa deliciosa formatura de um amigo dele e eu fui convocada no Concurso.
    2. minha carteira foi assinada pela primeira vez, e ganhei salários pela primeira vez.
    3. conheci meu novo amigo gustavo, um dos maiores pontos positivos de 2022.
    4. erick veio morar comigo no fim do mundo e trouxe nosso gatinho.
    5. meus amigos vieram visitar e foi ótimo!
    6. subi um morro lindo e dificilimo de subir, já que gustavo e erick me obrigaram.
    7. comi coisas deliciosas como o ravioli de gorgonzola na manteiga e salvia e o polvo com aligot, além de ter feito lindas tabuas de frios e comido varias pizzas que erick fez.
    8. retornei a viçosa para a minha formatura. foi uma experiência muito enriquecedora, afinal, representou o fechamento de um ciclo que havia sido interrompido pela pandemia e deixado minha vida meio sem rumo. estar lá me lembrou de possibilidades, experiências e até pessoas que eu havia esquecido. foi muito bom voltar e deu uma saudade tremenda de uma das melhores fases da minha vida.
    9. comecei a praticar atividade física.
    10. fui mesária e auxiliei na grande festa da democracia que culminou no retorno do lula a presidência.
    11. fui em festas com meus amigos e me diverti de tal forma que eu não me divertia há séculos, nem lembrava que podia ser tão legal dançar com amigos.
    12. viajei pra são paulo e tive uma experiência tão incrível que gosto de pensar que alterou permanentemente a trajetória da minha vida. me faltam palavras pra descrever o sentimento que foi. lá eu finalmente conheci minha grande amiga fernanda em carne e osso depois de muitos anos de amizade em alma e tweets. ela me levou em museus e restaurantes e estações de metrô e chorou comigo quando a lorde falou palavras de carinho. eu amei cada segundo na cidade que ela tanto adora.
    13. foi em são paulo que eu pude ter certeza que eu não caibo na cidade que eu moro, mas que existem vários outros lugares em que eu posso sim existir na minha plenutide. foi minha primeira vez em um lugar tão grande, e não tive a sensação de esmagamento que imaginei que sentiria. muito pelo contrário, me senti confortável, me senti em casa. foi minha primeira vez em um festival como esse, que me permitiu lembrar que eu gosto sim de arctic monkeys e lorde e pessoas. ademais, eu amei o metrô, os museus, a usp, a paulista, a liberdade, as opções, e principalmente, as pessoas. espero sentir isso de novo em breve.

    esse foi meu 2022. gostaram? eu: sim. e o de vocês?