há alguns anos eu estava me sentindo bem pequena e incompreendida e um amigo meu que estava estudando filosofia escreveu algumas palavras que jamais esquecerei. ele disse que o objeto é sempre mais rico do que a linguagem que tenta explicá-lo, limitá-lo, descrevê-lo. se definir, então, é apenas usar a percepção que alguém tem de você (mesmo que a sua própria), para se limitar. e isso não significa que todos terão a mesma percepção, afinal, cada um enxerga de forma diferente.
é uma forma muito bela de dizer que quem se define, se limita.
pensei nisso hoje pois estava incomodada com uma frase que alguém sempre me diz. mas eu não posso levar as opiniões das outras pessoas sobre mim a sério. querendo ou não, a pessoa que mais me conhece sou eu mesma, afinal, estou comigo o tempo todo. como naquela frase “muitas vezes eu tentei fugir de mim. mas onde eu ia, eu tava.”
e eu conheço todos os meus lados, mesmo que eu não aceite ou admita isso. e eu sei que não mostro a mesma cara para todas as pessoas. então não faz sentido levar a sério a opinião de uma pessoa que conhece um pedaço tão pequeno de mim… o ser humano possui múltiplas facetas. nem sempre somos aquilo que somos.

e falando em linguagens, opiniões das pessoas sobre mim e frases feitas… uma vez minha irmã me disse que eu sempre tinha alguma frase feita para dizer.
é verdade, sou muito boa nisso.
nos últimos dias, por exemplo, tenho tentado me dizer que preciso dar tempo ao tempo e que preciso viver um dia de cada vez. frases assim, repetidas a exaustão, podem acabar se esvaziando de significado, mesmo que tenham um sentido claro e bastante simples. como explicar para a mulher mais ansiosa do brasil que ela precisa ser paciente? que precisa ficar calma para conseguir fazer o que ela mesma gostaria de fazer?
as vezes é muito simples dizer que você precisa dar tempo ao tempo. o difícil é absorver a mensagem. respirar com tranquilidade e compreender que para uma coisa ser bem feita, ela precisa ser feita com calma. com paz. há muito tempo eu estava lendo sobre mindfulness e os textos citavam exemplo de atletas que usavam essa estratégia em momentos em que acertar era essencial. lembro que falavam do cristiano ronaldo batendo pênaltis e de alguém que não lembro quem fazendo tiro livre no basquete (é esse o nome do pênalti do basquete??? já não me lembro!)
eu mesma nunca consegui mas respeito quem consegue! imagina ter a calma interior necessária pra não fazer cagada? uau. can’t relate.
(é estranho né, o que acontece com uma pessoa depois do cancelamento. longe de mim querer opinar sobre cancelamento. eu acredito apenas que as pessoas devem ter responsabilidade pelos seus atos. o cristiano ronaldo, por exemplo, foi responsável por diversos momentos de felicidade da minha vida quando eu estava no ensino médio. não posso dizer que ele estragou tudo depois que descobri que ele é um estuprador, afinal, os bons momentos do passado permanecem no passado como uma boa lembrança, mas é inegável o retrogosto que fica na boca quando lembro que… bem. ele estuprou uma mulher.
eu fico ainda mais indignada com o caso dele pois em todos os momentos ele se esforça para posar como um bom exemplo. não bebe, não fuma, não toma refrigerante. e aí… isso. simplesmente perdeu toda a credibilidade para mim e para todas as minhas conhecidas. mas você colhe o que você planta. afinal, quem planta vento, colhe tempestade. pode até demorar. pode até ser só uma chuvinha, afinal, o homem continua trilionário, continua jogando futebol, continua sendo top 10 do mundo. mas antes ele tinha uma coisa e perdeu. pode ser que ele esteja perdendo pouco. mas está perdendo alguma coisa.)
o negócio das frases feitas é que num geral todas as frases já foram feitas. muito provavelmente tudo que havia para se falar já foi falado.
lembro que uma vez eu li um livro (ou vi um filme ou simplesmente ouvi uma história) em que uma personagem precisava cumprir alguns desafios e um dos desafios era encher de livros uma biblioteca. não era exatamente encher de livros, mas sim, colocar ali todo o conhecimento do mundo. alguma coisa nesse sentido. e é claro que ela conseguiu. como? escrevendo em um livro o alfabeto, os acentos gráficos e pontuações. pronto. como pode um alfabeto de apenas vinte e poucas letras ser capaz de escrever tantas palavras que juntas podem ter tanto ou tão pouco significado?
26 letras são o suficiente para descrever um objeto?
é engraçado. talvez eu devesse mesmo estudar letras.
Caramba.
estou há cerca de uma semana escrevendo esse post, e nem sequer havia entendido o que estava querendo dizer.
nesses últimos tempos voltei a fazer terapia e tem sido uma experiência muito interessante. meio que como colocar óculos depois de viver com miopia por muitos anos. vocês acreditam que eu estava vivendo a vida exatamente da forma que eu tanto critiquei, quando partia de outras pessoas? foi um choque pra mim perceber isso. acho que é por isso que é importante fazer terapia. afinal, eu estava escrevendo exatamente sobre esse tema aqui. sobre como se definir é se limitar, e ainda assim, eu não estava percebendo que estava deixando eu mesma me descrever como apenas uma coisa. uma única palavra que pode ter significados diversos, mas sem jamais usar um sinônimo. uma palavra semelhante, mas diferente. como se eu fosse apenas uma coisa e partisse disso…….
bom. eu não sou. ou pelo menos, não quero ser.
ai se vcs soubessem como eu odiei escrever isso e como me sinto pelada e como eu gostaria de me esconder agora atrás da resenha de alguma coisa. mas não tem nada. quer dizer. tem uma coisinha.
enquanto eu estava escrevendo esse post aconteceu de eu pensar em poesia já não me recordo mais o porquê. e aí eu lembrei especificamente de um livro que eu gosto muito. acho que é o único livro de poesia que já li de cabo a rabo. e eu o adoro… o nome dele é O Livro das Semelhanças, da Ana Martins Marques. acho que parte da graça da poesia é que os significados podem ser diferentes dependendo de quem está lendo. já me falaram que não tem graça ou sentido várias vezes. mas tão bonito as palavras.

mas especificamente no livro das semelhanças eu vejo um história bem romântica. toda vez que leio, imagino claramente um relacionamento entre duas mulheres. uma de belo horizonte, e a outra de algum local que fica a 1720km de distância, provavelmente na costa uruguaia. o livro é dividido em partes. no começo, vários poemas sobre a estrutura de um livro. aqui temos um poema lindo, chamado dedicatória. acho muito romântico quando ela diz:
Ainda que não te fossem dedicadas todas as palavras nos livros pareciam escritas para você.
também é nessa parte que tem o poema acidente, que por um acaso eu li no twitter, cerca de cem anos atrás, bem antes de ler o livro, e nunca me esqueci. não vou colocar aqui porque acho sacanagem colocar tudo assim, de graça. mas pra mim é um poema sobre um casal que se afastou e a distância entre os países tornou a amizade complicada. poderia passar horas pensando nos significados das frases:
a princípio trocamos telefonemas em que você sempre parecia estar prestes a perder o trem enquanto eu sempre parecia ter acabado de perdê-lo
também é aqui que ela fala sobre tradução, livros, lugares. ela fala sobre gatos. e principalmente sobre poemas, afinal, é um livro de poesia.
e aí temos a cartografia, uma parte do livro em que a ana martins marques fala de mapas, distâncias, lugares. ela fala de viagens e fronteiras. eu gosto de pensar nessa parte aqui:
Rasguei um pedaço do mapa de modo que o Grand Canyon continua na minha mesa de trabalho onde o mapa repousa desde então minha mesa de trabalho termina subitamente num abismo
agora chegamos em visitas ao lugar-comum, um conjunto de 14 poemas curtinhos sobre temas cotidianos.
Amar profundamente mas testar volta e meia se ainda dá pé
e agora a melhor parte! o livro das semelhanças, que é a parte que dá nome ao livro e o motivo pelo qual eu escrevi essa parte do post. você veja só, mais cedo, na parte em que eu falo sobre ser possível definir coisas com apenas algumas letrinhas, acabei pensando em palavras. nessa parte do livro, ana fala muito sobre palavras. meu poema preferido (eu acho. gosto de muitos.) é o seguinte:
É mais difícil esconder um cavalo do que a palavra cavalo É mais fácil se livrar de um piano do que de um sentimento Posso tocar o seu corpo mas não o seu nome É possível terminar uma frase com um beijo assim como é possível encerrar subitamente uma dança com uma palavra seria preciso então entender o beijo como um elemento gramatical acrescentar as palavras entre os movimentos básicos da dança Quanto do desejo mora na palavra desejo?
quanto do desejo mora na palavra desejo? quanto??????????????
nessa parte ela usa palavra bonitas para falar sobre tudo: envelhecimento, morte, lembranças. gramática, literatura. movimentos migratórios. o passado e o futuro. em um dos poemas ela fala sobre conhecer cidades apenas pelo nome, e sobre as coisas que cabem em um nome. no nome de uma cidade, cabem ruas vazias? casas prestes a serem demolidas? e ainda aí ela pergunta se um corpo pesa tanto na cama quanto no pensamento…
é aqui que ela fala sobre o amor não feito, e sobre maresia. ela diz, o que não foi rói o que foi. também fala sobre minas gerais, e sobre praias. ela fala:
Minas Se eu encostasse meu ouvido no seu peito ouviria o tumulto do mar o alarido estridente dos banhistas cegos de sol o baque das ondas quando despencam na praia Vem escuta no meu peito o silêncio elementar dos metais
logo depois ela fala de mar. é um dos meus poemas preferidos pois adoro a imensidão do mar… e o poema é extremamente refletivo dos meus pensamentos. bom. é isso.
termino aqui com uma frase, também desse livro, de um ótimo poema:
o que sempre soubemos e todos sabem que a madeira é apenas o que vem logo antes da cinza e por mais vidas que tenha cada gato é o cadáver de um gato
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