
quando eu era praticamente um bebê, nos idos de dois mil e poucos, minha tia comprou um apartamento na cidade em que eu moro. era pertinho da minha casa e no caminho até lá, e no caminho entre aquele apartamento e a praia, tinha uma banca de jornais e revistas. naquele tempo, minha tia sempre vinha para guarapari nos feriados, acompanhada por um casal de amigos que tinha uma filha da minha idade. lembro vividamente de, repetidas vezes, arrumar uma mochila com roupas e me mudar para aquele apartamento por alguns dias. sempre íamos pra praia e com frequência passávamos na banca. foi ali que ela comprou pra mim o meu primeiro volume de nana, que se tornou para sempre meu mangá preferido.

ainda lembro bem da capa com as duas nanas andando de trem. na realidade, meu primeiro volume de nana não foi o primeiro exemplar do mangá, e sim o sexto, o que deve colocar essa história no final de 2008 ou começo de 2009. quando eu era mais nova, não me incomodava nem um pouco começar a consumir um conteúdo pela metade. inúmeras foram as séries de livros que comecei a ler do meio e terminei no começo. o que isso diz sobre mim? não sei. mas eu era ávida por leitura então lia o que tinha pra ler.
pra quem não sabe, nana conta a história de duas garotas japonesas com o mesmo nome que se conhecem no trem para tóquio. elas são muito diferentes. a nana komatsu é uma garota comum que vem de uma família amorosa e barulhenta, e que gosta muito de se apaixonar. no primeiro volume somos apresentados a todos os relacionamentos que ela teve na vida até chegar no shouji, que se mudou para tóquio e acabou colocando na cabeça dela essa ideia de ir para a cidade grande. é no momento que ela faz essa mudança que ela conhece a nana oozaki, que é uma garota punk que toca numa banda de rock e vai pra tóquio buscando o sucesso na carreira de cantora. depois do encontro no trem, elas só se encontram novamente quando estão procurando apartamento e decidem ficar no mesmo lugar. apesar de terem estilos muito diferentes, elas se tornam amigas rapidamente, e a nana punk apelida a outra nana de hachi, que é o nome daquele cachorro japonês famoso pela sua fidelidade. além disso, nana significa 7, e hachi, 8.

o relacionamento entre essas duas personagens é a parte central da trama, mas os personagens secundários também são muito importantes. temos a banda da nana oozaki, que acabam vindo para tóquio com ela. são eles o nobu e o yasu, dois homens extremamente… não sei qual é a palavra exata, mas eles confiam na nana e seguiriam ela para qualquer lugar. esses 3, juntos do shin, que toca baixo, formam os black stones. além dessa banda, temos também o trapnest, que, por acaso, é a banda preferida da hachi. logo no quarto volume do mangá, a hachi convence a nana a acompanhá-la em um show do trapnest e lá ela revê o ex-namorado dela, ren, que toca guitarra nessa banda aí. a partir daí diversas coisas vão se desenrolando…

enfim. ao longo dos muitos exemplares de nana, diversos relacionamentos terminam, começam, são destruídos… é um mangá realmente excelente. a nana é uma personagem misteriosa, e a hachi nos acompanha tentando descobrir mais sobre o passado da amiga para entender melhor suas ações no futuro. alguns pontos trazem análises interessantes: no nome nana komatsu temos o kanji de pequeno, o que reflete a fragilidade que a hachi apresenta no começo da história, contrastando com o kanji de grande, que se faz presente no nome da nana oosaki, que deu muito apoio para a hachi, se fazendo de fortaleza mesmo em momentos em que ela mesma estava fragilizada. conforme chegamos ao final da história, essas posições se invertem, e descobrimos a resposta para diversos mistérios.
contudo, em 2009 a autora de nana ficou doente e desde então foi proibido sorrir no planeta terra.

muitos mangakás de coisas que eu gosto de ler tem uma vida bastante distante dos olhos públicos. tanto quem escreve haikyuu! quanto quem escreve jujutsu kaisen oculta suas identidades de tal forma que sequer se sabe se são homens ou mulheres. no anime de gekkan shoujo nozaki-kun, o mangaká também oculta sua identidade. faz todo sentido manter a vida privada, especialmente quando se tem fãs malucos. mas ao mesmo tempo dá um pouco de raiva, afinal, a obra se relaciona com a vida do autor e é interessante fazer análises levando fatos da vida de quem escreve em consideração. no caso da yazawa, por exemplo, uma das poucas coisas que se sabe sobre ela é que ela cursou uma escola de moda antes de se tornar mangaká, e em paradise kiss, um dos meus mangás preferidos, esse é um tema central. mas é claro que cada um sabe de si. o autor já nos proporciona um pedaço grande de seus pensamentos por meio da obra, e não faz sentido exigir mais do que ele pode nos dar.
em alguns casos, não saber sobre o autor até torna a obra mais intrigante, nos instiga a pensar mais e mais sobre o tema. afinal, até hoje a gente não sabe (ou finge que não sabe) quem é a elena ferrante, mesmo que a tetralogia napolitana tenha ares extremos de autobiografia em alguns momentos.
a yazawa ai também é privativa com a própria vida. para começar, esse nome é apenas um pseudônimo e por mais que a gente saiba a data de nascimento dela, de que serve essa informação? a quem interessa saber em qual cidade do japão ela nasceu? o que todo mundo quer saber é: onde está yazawa ai? doente com uma doença desconhecida pelo público, alguns lugares parecem dizer que ela ficou quase um ano internada. as teorias dos fãs são as mais diversas: câncer, alguma doença degenerativa, depressão. já li até mesmo que ela ficou tão triste com o que fez nos últimos capítulos de nana que saíram que ficou para sempre deprimida e por isso nunca mais teve coragem de escrever.

as vezes eu perco todas as esperanças de descobrir o que aconteceu no final de nana. talvez tenha algum motivo como o final da tetralogia napolitana, e a nana oosaki seja nossa lila cerullo. agora que parei pra escrever isso, acho que podemos traçar alguns paralelos com essas duas séries tão diferentes.
talvez o que mais me deixe indignada com a não-existência virtual da yazawa é que sou mal acostumada com a falta de informações. seus últimos passos são difíceis de traçar, especialmente se você não fala japonês. parece que em 2019 ela proferiu as seguintes palavras, quando um de seus mangás mais antigos foi relançado no japão: “desculpa por fazer vocês esperarem! o apoio por parte de todos é encorajador para mim. muito obrigada.” antes disso, em 2017 ela desenhou uma arte pra cantora juju e em 2016 escreveu um minimangá. em 2015 ela desenhou novas imagens para um calendário que foi lançado de nana, o que fez os fãs criarem expectativas já que as personagens estavam levemente diferentes. em 2013 ela também publicou um capítulo de junko’s room, que é meio que um extra de nana, um lugar onde ela misturava os personagens e agradecia aos fãs. e ainda assim, nada. nenhuma explicação.

eu sei que quero que a yazawa tenha vida na internet não pelo bem das histórias. eu sei. não importa o quanto eu procure outros motivos pra me posicionar contra a privacidade dos autores, no final das contas tenho noção de que tudo que quero é entender por que ela nos abandonou com esse final aberto, horrível, doloroso. sei que é egoísta e que é extremamente desagradável exigir que uma pessoa doente continue produzindo conteúdo pra me satisfazer. eu SEI. eu sei.
mas a yazawa nem vai ter acesso a esse post mesmo.
e eu não aguento mais. se essa mulher morrer, eles vão nos avisar? a gente vai ficar sabendo? me pergunto se em algum momento nana voltará. ou talvez eu nem espere algo tão bom assim. mas será que em algum momento, a yazawa voltará a produzir alguma coisa? gostei tanto de tudo que ela fez até agora. mas são 12 anos só com migalhas… tudo bem. eu te autorizo a demorar o tempo necessário, yazawa. mas por favor, volta.

hoje fez frio, e pensei no seguinte haikai:
Aconchegantes,
Onitsura
Os raios do sol de Inverno –
Mas que frio!
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